quarta-feira, 27 de julho de 2016

Arriscando Limites: Limites, formas e o sentido

Comumente se fala que os limites, tal qual seu nome “limita-se em limitar”. Limites aqui venho a falar sobre a dimensão da lei, do, do não ir adiante, da beirada e da parede, das fronteiras arbitrárias que nos impedem de ir além, aquilo que nos aprisiona, que nos amarra.
Vemos nas obras de consagrados autores o problema dos limites e o entrave que logicamente eles os são para uma humanidade que supostamente tem uma tendência a progressão, ao ir além, para além dos moralismos do bem e do mal, basicamente a humanidade tenta planejar, intuir e esquematizar sua mudança. 

Limites podem ser fronteiras arbitrárias  também!
Sobre as limitações Foucault, traz-nos um enquadre que quando o limite, nas mãos do poder instituído, pode causar grande dano ao ser humano, privando-o de uma livre expressão, ou demonstrando a impossibilidade de liberdade nas nossas relações atuais, e tal opressão é de modo tão entranhada no ser humano e nas suas relações, que o sujeito se vê sempre, de alguma forma, tolhido por esse poder que castra a liberdade do sujeito. Sendo assim o limite é usado pelo poder para exercer o controle dos corpos e basicamente é assim compreendido através do olhar foucaultiano, limite é perda de controle de si diante de um outro (aparelho estatal, dispositivo de poder, instituições,ciência) opressor.
Mas se num exercício imaginal formos tentados a olhar através da questão “limite”? E se retornarmos ao início desse texto e pegarmos algumas imagens como paredes e beiradas fronteiras de um mapa, que vise além da aparente incapacidade de ir adiante, poderíamos ter outra percepção das limitações? Seria a lei, apenas a dimensão  da impotência do ser diante do não poder? A proposta é tentar re-imaginar “para além dos limites” aparentes dos limites humanos, que de maneira simplista seria pensar o que de bom teria nisso, já que vimos anteriormente a demonstração foucaultiana de que o limite aliado ao poder, causa grande dano a liberdade humana, sendo facilmente associado ao mal, puro e simplesmente e tendo em mente a problemática da relatividade do bem e do mal, devemos ser advertidos a não tomar literalmente, e muito menos unilateralmente a questão do limite. Ainda mais se formos psicologizá-lo!
Por outro lado Bauman nos fala que há uma oposição necessária no ser humano, ambas opostas e ele as chamou de liberdade e segurança. Quanto mais segurança tem o sujeito, menos liberdade tende a ter e o contrário também é verdadeiro, quanto mais liberdade menos segurança. É um equilíbrio impossível de se chegar a um ponto ótimo e praticamente sem esperança de estabilização dentre as duas necessidades humanas, já que ambas seriam mutuamente excludentes. Então concebemos que em Bauman há um pouco mais de luz benéfica acerca daquilo que abordamos aqui como limites, no qual o autor traduz como segurança: uma necessidade humana! Tão necessária que tem poder rivalizador e equivalente em importância, tanto quanto a nossa querida liberdade, tão aclamada em nossa sociedade capitalista atual em que se há um culto neoliberal que exalta a necessidade da liberdade econômica. O neoliberalismo reafirma a tendência econômica, na vida das pessoas, já que vivemos em uma sociedade cada vez mais mercantilizada, onde o valor é cada vez mais precificado a ideologia do capital que entranha na percepção humana moldando os padrões das relações humanas na atualidade.
Zizek também nos fala sobre a liberdade atual sob como tal concepção é cínica e a expõe de diversas formas em sua obra. Uma delas ele conceitua o sujeito da atualidade como sendo participante de uma concepção de vida batizada por ele de Hedonismo pós-moderno. No hedonismo pós-moderno o sujeito , numa livre tradução para a linguagem de Bauman, ansiaria a liberdade sem abrir mão da segurança. Esse fenômeno do sujeito hedonista pós-moderno, essa fantasia de uma liberdade sem ônus, estaria flagrada numa leitura da fantasia que engendraria a concepção de alguns produtos que são feitos sem sua substância perniciosa, como por exemplo, café descafeinado, cerveja sem álcool, etc. Segundo o autor esses produtos revelariam esse desejo hedonista tipicamente pós moderno pois se deseja desfrutar da liberdade de se tomar o quanto de café que se quiser, mas sem se preocupar com os males da cafeína. Seria a utopia de se desfrutar da liberdade em conjunto a segurança, mal sabendo que não se está ingerindo o produto real, ou seja a decisão de se tomar o café sem cafeína é a decisão de se não tomar café…


Um mapa de todas as nossas falhas!
Após algumas demonstrações da problemática do limite dentro dos pontos de vista de alguns autores, podemos agora partir para a concepção psicológica do limite. O limite dentro de uma perspecitva que vê-através não apenas limita, ou corta, aliás, dentro dessa limitação e desta poda, tem-se o nascimento de um fenômeno necessário e estético: a forma. Sem limites não a forma e não há a concepção de disforme. Dentro da ideia de padrão o limite se manifesta em busca de formas padrão, que pode ser tão opressor quanto uma ditadura de uma beleza superficial, quanto uma busca na quebra dessas barreiras na criação de novos formatos: novos formatos são novos limites, novos limites são novas formas.
O limite vem também nos recordar da necessidade do amadurecimento, do cortar o cordão umbilical com o universo ilimitado, porém disforme e sem sentido, que pode ser tão opressor quanto o excesso de limites conforme demonstrado por Foucault. Em última análise podemos perceber que o limite é elemento fundamental para a formação de sentido, algo tão necessário para o ser humano enfrentar o abismo que há dentro de si, o vazio da falta de sentido. A falta de sentido pode ser também tão aprisionante como uma vida de um “sentido fácil”, ou seja uma vida regrada pelas normas coletivas onde se sabe o que se deve fazer já que há fácil adaptação e conformação as regras sociais implícitas e explícitas, mesmo essa vida vem a negar a si mesma, manifestando a falta de sentido, já que o sentido coletivo é falta de sentido, não encaixa nos limites da dimensão pessoal. Limite, sentido e formas.  Sendo assim a pluraridade de limites, não necessariamente pode descambar numa possessão generalizada, mas sim uma maneira de desabrochar e dar liberdade a novas formas e sentidos. Desta maneira não há por que demonizar os limites sem avaliação crítica do contexto em que surge a limitação.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Um ensaio: O ego é um tubo de ensaio teatral!

Parto de Hillman que em Re-vendo a Psicologia nos diz: “Vidro, em sonhos, como janelas, vidraças, espelhos, apresentam o paradoxo de uma transparência sólida; seu verdadeiro propósito é permitir enxergar através. O vidro é a metáfora, por excelência, da realidade psíquica: ele é em si mesmo invisível, aparentando apenas seus conteúdos, e os conteúdos da psique, localizados dentro ou atrás do vidro, são movidos da realidade palpável para a realidade metafórica, fora da vida e dentro da imagem. Apenas quando o alquimista pode colocar as substâncias de sua alma em um vaso de vidro e mantê-las ali é que seu trabalho de psicologizar efetivamente se iniciou. O vidro é a imagem concreta para o ver através.”

Ego, um tubo de vidro e um palco


O ego é um tubo de ensaio teatral. Um palco onde as substâncias arquetípicas se apresentam. Dentre suas melhores qualidades, pode-se considerar, a transparência e a receptividade, para assim ver através dele como imagem e ver as imagens que nele atuam em determinado momento da história de um sujeito. A consciência é um olho que vê isso acontecer, uma pequena luz na psique, que se dá conta do espetáculo, do eterno ensaio do drama humano.


As substâncias alquímicas estão dentro deste continentezinho, se misturam e reagem, foram catalogadas por intuição(?) pelos alquimistas e intuídas como psicológicas por Jung. Através de Jung ganhou a relevância no tratamento da alma humana e observou-se a metáfora por trás das imagens alquímicas.


É teatral o ego, mas apenas como palco, mas um palco deve portar-se como tal, com receptividade de vaso, mas a qualidade do palco/vaso interfere no espetáculo, talvez não tanto quanto se imagine, por isso a necessidade do ego “baixar a bola” e entender seu papel, isso não é diminuir e muito menos extinguir sua importância, mas sim tentar dimensionar o papel que lhe cabe. A ilusão é pensar que o ego é o protagonista, quando é um tubo de ensaio, onde se dramatiza a individuação das imagens e a transformação da psique, são funções bem diferentes, mas aparentemente bastante fáceis de se confundir quando agimos de acordo com nossa mentalidade ocidental.


Sendo assim, feito “como se*” fosse de vidro, o ego é valioso pela sua transparência. Claro que com o agir das substâncias pode-se ocorrer alguma reação com o vidro e o mesmo não apresentar uma transparência de 100%, e é ai que está a graça! Assim nos formamos, assim constituí-se uma noção de Eu interessante para a psicologia junguiana, um Eu experiente dessas substâncias, que viveu essas reações, que é de certa forma, transparente e que não confunde-se com o conteúdo que transita em seu interior.



*O Como se pode-se dizer uma técnica junguiana em que se encara o drama das imagens interiores de uma perspectiva, digamos assim, no limiar entre a teatralidade e a plena realidade, já que o “ver através” de Hillman se dá através do “como se” de Jung. A psique com seus atores e o ego como palco atuando na totalidade humana como se fossem de verdade, mas a realidade psíquica é tão verdadeira quanto a realidade material, só que sua natureza metafórica exige esse olhar poético, metafórico que e enxerga através que faz de conta como se. Essa é sua realidade.